domingo, 4 de outubro de 2009

Quase Macabéa

Os olhos vagos, uma certa expressão canina havia em sua face. Parecia um filhote desamparado que tinha conhecimento dos fatos, mas que preferia continuar alheio a tudo.
A pobre criatura mantinha uma ou duas amizades, geradas e mantidas apenas pelo convívio diário. Entretinha-as a falar besteiras, ouvir outras e discursar asneiras. Era vazia. Não tinha conteúdo. Levava em si um oco quase que pesado em seu corpo tão magro. As curvas quase lhe não apareciam, era reta e quadrada – características não só físicas.
Tinha dentes protuberantes e o cabelo sempre preso, maltratado, marcando-o, tirando a beleza de sua cor loira. Por falta de convívio social, talvez, tinha a voz oscilante, num tom desagradável aos ouvidos. Por falta de convívio social era motivo de chacota, virava as piadas mais engraçadas dos arredores. Por falta de convívio social, tornava-se irreconhecível à presença do seu cachorro. Depositava no pobre cão toda a sua carência afetiva, social e comunicativa – talvez por identificar-se com o próprio.
Era mesmo um ser curioso, sem brilho nos olhos, quase imperceptível aos demais – quase qualquer uma – , apenas mais um focinho abandonado, deprimente. Beirava à insanidade mental, colocava em questão a sua capacidade intelectual - por mera falta de criatividade, ou mesmo curiosidade.
Podia não ser um cão, mas decerto não era humana.

18/06/2009