sexta-feira, 31 de maio de 2013

como tirei os sisos


Cena 1

- Uma pizza grande. Meia margherita e meia frango com catupiry, por favor. Com urgência, para antes de meio-dia.
12h.
- JB, NÃO ACREDITO que você esqueceu de pedir a minha borda recheada!
- Foi mal, esqueci mesmo.

Cena 2

Carro.

- Onde tá a receita com a lista dos remédios pra tomar agora?
- Em cima da estante.
- Tem que tomar um de 12h30 e outro de 13h30.
- Você que devia ter ficado com a receita. Você já tem 20 anos!
- Não fiquei com a receita porque você não me deu!
- Devia ter me pedido. É muita falta de organização. Tome conta das suas coisas.
- Mas ficou com você!
- ... depois você perde tudo!

Cena 3

14h25. Em casa.

- Onde tá a receita?
- Na estante, ele disse. – engole uma fatia de pizza.
- Não tá não.
- Olha de novo.
- Não tá! – come outra fatia.
- Não é possível.
- Vou ligar pra Dani. Vou procurar no google! Só tenho 5 minutos. O médico não atende!
- Vou ligar pra Gustavo. Deixe uma fatia de frango pra ele!
- Mas eu preciso comer muito! Depois eu não vou poder comer nada.
No telefone:
- Gustavo, olha a sua carteira aí. Não estamos achando a receita do remédio.
- Eu estou dirigindo! Já disse que deixei na estante.

- Ele fica com a receita e ainda perde, se tivesse ficado comigo... depois eu que sou desorganizada. – come outra fatia.

12h29. Olha a bolsa.

- Ah, tá aqui. Achei. Fiquei com ela mesmo, hehe.
- Vou dizer pro seu pai que tava atrás da estante. Vou te livrar dessa.
No telefone:
- Gustavo, achamos atrás da estante.
- Eu disse que tinha colocado lá!
Mais uma fatia.

Cena 4

Em casa. 

- Vamos sair às 13h40. Não quero chegar atrasado. Tem trânsito. Fulano de tal diz que ser pontual é chegar antes no lugar para na hora estar, e não chegar na hora.
Carona pra Maria, carona pra Bárbara. Rui Barbosa: tudo parado.

Cena 5

14h25, sala de espera do consultório de dr. Joaquim.

- Ela disse que quer tirar os 4 de uma vez!
- Ah, mas é normal. É tranquilo. A maioria tira os 4. (enfermeira)

Joga Angry Birds no celular.
Entra uma menina com a arcada dentária assustadora. Não deve ter mais de 10 anos. 
Passa de nível. 15h.
Entra uma cara conhecida da época do colégio. Finge que não conhece. Passa mais um nível. Vai descarregar.

- É, o doutor tá atrasado. Sabe como é, o trânsito né... (enfermeira no telefone)
- Já arranquei seis dentes. Tenho pavor, trauma mesmo. Choro até pra tirar os pontos. – paciente neurótica conversando com outra paciente – ter filhos? Ah, não. Não tenho preparo psicológico pra isso não.
- JB, pode entrar. (enfermeira)

Cena 6

Não consegue controlar os batimentos cardíacos. Pensa como isso pode ajudar na perda de sangue durante a cirurgia e só piora. O médico já aguarda posicionado junto à cadeira.
- Dá pra tirar os quatro de uma vez?
- Olhe, geralmente eu tiro, mas seus dentes são muito grandes e as raízes muito profundas. Excepcionalmente, eu recomendo tirar dois de cada vez.
- Ok.
- To aplicando a anestesia.

CRECK!

- O de cima já saiu. Vou tirar o de baixo.
- Hum hum!
- Tá doendo?
- Hum hum hum!
- O que você tá sentindo?
- Minha mandíbula! Não vai deslocar não?
- Veja, isso nunca aconteceu antes. Fique tranquila.

Liga uma máquina que corta algo. Sai um cheiro desagradável. Empurra a mandíbula para cima. A enfermeira ajuda. Demora uma eternidade. O coração não desacelerou nem um pouco. O corpo todo se tenciona.
- Se cair algo na boca, não engula! 

Creck!

Vê o fio preto que costura a gengiva ensanguentada. Pensa no Coringa.

- Olhe, foi tudo muito rápido e tranquilo. Dá pra tirar os outros dois...
Tremia toda. Parecia que tinha levado um susto. Ou que correra uma maratona. Suava.
- Não, não, outro dia.
- Certeza?
- Sim.
- Bichinha, chegou aqui tão corajosa. (enfermeira)
- Posso ficar com os dentes?
- Pode, vou limpá-los.
- Tome uma bolsa de gelo. Até quinta.
- Quinta?
- É, pra tirar os pontos.
- Ah tá.

Cena 7

Na sala de espera.

- Foi rápido, hein?
- Hunf.
- Vai deixar marcada a outra cirurgia?
- Sim.
- Só tem pro dia 6 de junho.
- Não posso! Ai, meu deus.
- Não pode por quê? Ela pode sim. Marque aí.
- Ai, meu deus. A CPF!
- O quê?
- A CPF... nada, nada.
- Quer sorvete de que?
- De fruta. Light.

Meu peixinho


Comida japonesa já não era mais moda. As temakerias tomavam conta da cidade, espalhavam-se como uma praga. E ela estava cansada de ser excluída dos jantarzinhos com hashis. Decidiu então iniciar-se no mundo oriental.

Marcou em uma temakeria famosa na cidade com duas amigas experientes nesse tipo de culinária. Pediu um Hot Filadélfia, o mais tradicional. Preferia não comer (ainda) coisas cruas. O pedido, que não demorou muito, chegou numa caixinha triangular. Ela fazia esforço para não sentir algum tipo de aversão àquela comida até então estranha. Passou muito tempo tentando encontrar a posição adequada para dar a primeira mordida: temia que o molho shoyo respingasse em sua velha camisa, e que a alga, que tão cuidadosamente abraçava aquele arroz, se desenrolasse e tudo se esfacelasse em suas mãos. Após alguns momentos, provou. E de súbito, um dos chamados cariocas, que compunha o recheio, escapou do temaki direto para seu copo d’água, como se, num relance de vida, aquele pedacinho de salmão tentasse retornar ao seu tão familiar mundo aquático. E ficou ali, boiando.

Passado o espanto, foi impossível não rir do inesperado incidente. Ela passou a chamar o carioca no copo d’água de “meu peixinho” até o garçom (que conteve a expressão de surpresa) vir e levá-lo de volta à cozinha. Ninguém realmente nunca entendeu como aquilo havia acontecido. 

Outros temakis vieram, as primeiras e segundas impressões – repletas de caretas, diga-se de passagem – se foram, mas o temor de ter outro peixinho à mesa sempre esteve presente. Comer temaki, de fato, não é para qualquer um. Comer temaki é uma arte. 

não é


É como se tivesse estagnado. Parou. Não sai do canto. E o tempo passa. Porque o tempo não perdoa. É o mesmo de sempre. O roteiro repetido. A vida igual. A falsa novidade. Um começo bom e um final frustrante. Quando penso que sim, quando finalmente um sim vai de repente despontar surgir aparecer na minha vida, ele se esmaece, cria asas e é como se nunca tivesse existido. Nunca existiu. Era só uma impressão. Tá tudo no repeat. Começa. Recomeça. Tudo de novo... e aí, não! Não era. Não foi. Não era pra ser. Por que acontecer então? Por que existir se, na verdade, tudo é falso? Não é que seja mentira. Não é, também, que seja verdade. É que simplesmente não é. Minha vida continua não sendo