domingo, 7 de outubro de 2012

Adeus à Gordura

Recife, 24 de abril de 2012.
Querida Gordura,
Venho avisar que estou me livrando de você. Cansei. Nosso relacionamento não está mais dando certo. Não posso dizer que foi bom enquanto durou, tivemos problemas demais. Você já foi embora uma vez e agora voltou. Eu não devia ter deixado, vacilei, me arrependi. Fiquei com pena e te trouxe de volta. A culpa é sua, manipuladora.
Gostaria também que você levasse consigo nossas filhas, a Dor e a Vergonha. Elas só me trazem desgosto. Fique com as duas. E não quero visitas.
Comunico-lhe também que estou assumindo a minha amante, aquela que você já desconfiava, a Saúde. Tenho muito mais futuro com ela do que com você.
Desculpe-me tamanha frieza, meu bem, mas você não foi boa para comigo. Aguentei todas as birras e atendi  aos seus impulsos. O que ganhei? Você partiu meu coração com uma ponte de safena.
Estou caminhando para uma nova vida, pulando para uma nova etapa.
Boa sorte na vida, pois acredito que, com essa sua reputação, ninguém mais te queira.
Adeus.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A mensagem


Quase 10 da noite. Uma multidão de pessoas na parada de ônibus. Centro da cidade. Ruas escuras e uma ventania que traz consigo o odor fétido do lixo acumulado na calçada.
Cerca de 30 pares de olhos anseiam por avistar o ônibus. Ah, o amado ônibus que a esta hora voa pelas avenidas e nos conduz para o sossego de nossas casas.
À minha frente, uma jovem . Celular em punho, na altura dos olhos. Digitava. “Estou sentindo muito a sua falta, só agora percebo como te amo de verdade”. E naquele momento realmente a invejei. Invejei a sua hesitação em escolher as palavras certas, a falta de pressa em construir as frases. Invejei sua insegurança ao apertar o botão de enviar. Apagou, reescreveu, procurou por pontos e vírgulas. Buscou aspas. Parou, ajeitou o cabelo, olhou para o horizonte como se buscasse uma certeza. Parecia não ter pressa.
Ah, como eu gostaria de estar no lugar dela sentir um pouco desse sentimento confuso, sem nome. Ter dúvidas. Tentar a sorte outra vez.
Camaragibe (príncipe). Sem guardar o celular, a moça correu para o seu ônibus e partiu em busca dos seus sonhos.
Senti-me ainda mais amarga. Senti-me um vazio na noite. Peguei meu ônibus também, mas não tinha um rumo. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Capuccino

A garçonete bem-humorada, trajada de marrom, traz a bebida de mesma cor. Capuccino especial para TPM: uma dose de chocolate extra.
 - Quando quiser alguma coisa, mamãe, fale comigo...
Veio quente, quase fervendo. Espero esfriar.
 - Quando quiser algo, me ligue!
 Ainda fumaça.
 - Mas eu não... qual o café sem gordura que você tem?
 - Mas... café não tem gordura, só cappuccino mesmo...
 Que gostoso ouvir isso. Tudo que eu precisava era lembrar agora que a minha dieta estava indo por água abaixo (água! Antes fosse água! Mas não, é café com chocolate).
 - Então um cappuccino.
 - Pequeno, médio ou grande?
 - Bem pequeno.
 O guardanapo cai.
 - Eu te conheço, mamãe.
 Adiciono o chocolate em pó. Tomo a bebida na colher. Um terceiro se aproxima, é jovem.
 - O site tem 600 acessos por dia.
 - Quem está fazendo com...
 - Um cappuccino tradicional, por favor.
 -... você?
 - Sem chantilly.
 -Hum?
 - Ah, Alberto, Carlos e Danilo.
 A bebida acaba. Como o que restou do chocolate. Estrógeno a menos, dá nisso.
 - Mamãe, pare de dizer quanto você ganhou, “recebi tanto, peguei tanto”...
 - Mas... ooooi, nem te reconheci!
 A garçonete recolhe a minha xícara.
 - Querida, como está Ângela?
 - Se recuperando, a mesma coisa.
 - Então, o site que estamos fazendo... vai lucrar muito!
 - Ela tá tão magrinha, de longe só se vê o chapéu.
 O capuccino bem pequeno e o cappuccino tradicional sem chantilly chegam.
 - Ela estava aperreada com as malas.
 - 70kg só de livro né?
 - Pegou um ônibus em Salamanca, quase chorando.
 A máquina de café faz barulho. Muito barulho.
 - Você já está estudando a língua?
 - Já, eu preciso pro mestrado.
 - Ah, então você está preparada para o intercâmbio...
 - É, Luana mesmo... - Ela fazia Senac.
 - Sim, o inglês dela era perfeito.
 - Tá muito bem ela.
 A garçonete traz a conta.
 - 20 reais.
 - Crédito.
 - Eu ainda tenho a foto de Vanessa na minha carteira, acredita?
 - É a vida né...
 - Valha-me Deus!

terça-feira, 6 de março de 2012

Minha angústia eterna

Essa angústia eu sei que vou levar pro resto da vida. A angústia de saber que nunca poderei fazer tudo o que quero, que nem todos os meus planos vão se concretizar. Não é pessimismo, é fato. O tempo é curto, a vida urge. Quando menos esperarmos, olharemos para trás com certa frustração.
Sentir-me-ei frustrada por não ter conseguido ver todos os filmes do mundo, sentir-me-ei frustrada por não ter ouvido todas as músicas que existem, por não ter conhecido todos os países do planeta, por não ter lido todos os livros já publicados, por não ter conhecido todas as pessoas interessantes.
Eu cursaria Cinema, História da Arte, Arquitetura ou publicidade com muito gosto. Ficaria feliz em estudar alemão, espanhol, francês e italiano. Adoraria fazer um mochilão pelo meu próprio país e aprender a ter mais orgulho dele. Também ficaria muito satisfeita em conhecer os países do Oriente Médio, Irã, Israel. A Europa, claro, é imperdível. Austrália, Estados Unidos, Japão, México. Todas as culturas me fascinam.
Queria trabalhar para a Reuters, estagiar num jornal local, ser repórter, apresentadora. Abrir meu estúdio de fotografia e me especializar em retratos, mas também ganhar dinheiro com books. Vejo-me sendo professora. Mas ainda penso em fazer concurso pra ter estabilidade.
Abriria também uma ONG para cuidar de animais abandonados e faria trabalho voluntário com crianças com câncer. Morar no exterior me atrai, mas eu amo minha cidade.
Quero casar e ter filhos. Mas também quero um tempo antes pra crescer na minha área e ter sucesso. Tenho medo, então, de não ver meus netos, de não ter ninguém pra me apontar num álbum de fotografia e dizer “olha, essa era Ursula”.
Adoraria morar sozinha num apartamento bem pequeno, com uma vista panorâmica. Casas, porém, também me agradam, daquelas com um jardim bem verde.
Queria aprender a tocar piano, saxofone e violino. Estudar música e fazer parte de uma banda. Lutar boxe, jogar tênis e fazer natação.
Viver grandes amores, ser casada, morar só, morar junto.
Nunca vou ter tempo o suficiente pra experimentar ser diferentes tipos de pessoas. Eu traço o meu destino, faço escolhas e elas vão me acompanhar pra sempre. Algumas escolhas muito bem avaliadas, mas outras simplesmente no chute porque a gente não tem ideia do que vem pela frente.
Minha eterna frustração vai ser nunca poder ter várias personalidades, diversos destinos, enfim, várias vidas. Porque eu queria ser tudo, ter tudo, saber sobre tudo.
Tenho ciência dessa minha eterna frustração. No entanto, faço o possível pra alcançar meus sonhos, realizar meus planos e desse jeito eu acabo vivendo muito intensamente, ocupando todo o tempo de que disponho.

Não entendo como certas pessoas não carregam consigo essa angústia e vivem do ócio, procrastinando e vivendo apenas por hábito. Viver é bonito, é rápido e nossa existência precisa de um sentido.
Tenho sede de tudo, quero tudo, e acabo sendo nada, me sentindo nada e incompleta sempre. E sei que é pra sempre. Não tem solução. Angústia eterna, vida fugaz.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Ter uma rua batizada com seu nome pode não ser uma honra

Ah, Conselheiro, quem diria que um dia seu nome seria associado a 6km de puro caos e desordem? Quem diria que um dia todos o evitariam assim sem o menor pudor? Que você teria seu nome e o de seus ancestrais em más línguas?
Quem sabe não seria melhor ter continuado no anonimato em face de tamanha difamação...

Av. Conselheiro rosa e Silva, 18h, quinta-feira.