terça-feira, 18 de outubro de 2011

Isso aí que chamam de vida

Subi no ônibus com os olhos cansados e os pés semi-cerrados. Era tarde e tive preguiça de cumprimentar o motorista. Dei dois pares de moedas sujas ao cobrador que acordou num susto do grito que lhe dei. Trabalho é trabalho e ninguém se importa se você tem insônia. Joguei-me na primeira cadeira vazia aproveitando o embalo do primeiro tranco do freio do ônibus. Do meu lado, uma mulher. Bem, era o que pensara. Tinha nos cabelos cacheados um brilho estranho e, nos olhos, restos de maquiagem. Suas mãos jaziam sobre o colo e havia aparelho em seus dentes. Os peitos eram tão duros que não balançavam com o chacoalhar do caminho. Estranhei. Era velha. Uns 70 anos, por aí, não sou bom em estimativas. Na parada seguinte pediu licença, era um travesti.
Viajei junto com a paisagem que voava pela janela, passava tão rápido que lembrou minha própria vida. O vento jogava ciscos e mais ciscos nos meus olhos e eu invejava as pessoas que usavam óculos naquele momento.
Na última cadeira, uma mulher e uma criança barriguda agarrada ao seu pescoço. Pareciam chimpanzés. O que faziam soltas pelo mundo tão tarde? E o mesmo me perguntei sobre a velhinha que segurava sua carteira de identidade com uma foto 3x4 em preto e branco. Quanta irresponsabilidade, meu Deus. Fodam-se, pensei. Isso que chamam de vida é deles, só deles.
Passei sobre a ponte por que passo todos os dias. O mesmo homem? Nunca. O mesmo rio? Talvez. A vida me consumira de um jeito que eu não mais me reconhecia, nasci de novo, várias e várias vezes. Mas quem se importa? Isso aí que chamam de vida é minha e só minha.