terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Vazia

Eu me sinto tão vazia como um tênis sem meia, tão vazia como o olhar de um mendigo, como um verso chulo atrás da porta de um banheiro público, tão vazia quanto o mais novo best seller, tão vazia como o útero de uma velha, como um cartucho sem tinta, como um moleskine jogado, vazia como um pote de feijão carunchado, como um cd regravável, como um freezer que só tem gelo, como uma tesoura cega, um plástico bolha estourado, vazia como uma semente de girassol que não germinou, como um baú que não foi desenterrado, vazia como o estômago de um vira-lata, vazia como os passos incertos de um bêbado. Vazia, vazia, vazia. Cansei. Estou cheia de estar vazia.

Vida assimétrica

Assim como meu ano, este caderninho está se encerrando. Esforço-me para escrever coisas coerentes, mas só o que me vem à minha momentaneamente dolorida cabeça é que levaram o meu edredom.
Que ótimo. Preciso escolher entre morrer de frio no ar condicionado ou morrer de calor com o ventilador. Pois é, a vida e suas difíceis escolhas. Eu não diria difíceis escolhas, diria difíceis consequências, pois são elas que escolhemos.
Não costumo ter dores de cabeça, portanto, quando tenho uma destas, ela parece tomar proporções gigantescas. Tudo que é raro ganha uma nova conotação, para o bem ou para o mal.
Minha vida se torna confusa quando eu penso e quero que ela seja, pois sou eu que aumento os fatos, crio os problemas e me faço de vítima. Mas, assim como dou uma de dramática, também consigo, em rápidos momentos, simplificar tudo, enxergar harmonia e fingir que estou plenamente feliz. Porque é na simplicidade que mora a felicidade - e ela parece realmente sem graça.
Quando não quero o caos ou a tolice da efêmera felicidade, sinto-me simplesmente cheia de amor e ao mesmo tempo vazia por não ter o que amar. Meio cheia? Meio vazia? Como um copo d'água, seria tudo igual? Não. De todos os meus todos, eu teria um todo completamente cheio e um todo completamente vazio. Os todos que viram partes e se complementam. Se sou cheia, também sou vazia. Cheia de amor, vazia do quê. Não posso ser uma coisa sem ser outra. Porque eu sempre fui assim, um desequilíbrio. Minha vida assimétrica me ensinou a ser melancólica e a fingir que isso é bom, fingir que gosto da dor dando a ela outro nome. Vários nomes. E assim, com a dor disfarçada, posso fingir que a amo.
Mas amar a dor é verdadeiramente bonito. Ter pena do seu próprio eu quando ninguém o faz é reconfortante. E se alguém o faz, é humilhante.
Temos autopiedade, mas recusamos a piedade alheia. É uma coisa quase egoísta. Piedade minha para mim mesmo e de ninguém mais.
Acho que vou dormir com o ventilador mesmo.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Paródia fotográfica

Ah que saudade que eu tenho
Da minha câmera querida,
Das minhas fotos batidas
Que não se revelam mais.

Ah, que saudade que eu tenho
Das fotos do lado de fora
Do instante decisivo e do agora
Do qual o vídeo não é capaz.

26/10/2010