terça-feira, 19 de agosto de 2008

Um muito de tudo e um pouco de nada.

Talvez tudo que sentimos pareça meio óbvio e tão tolo. Abrange tudo e mais um pouco de tudo que conhecemos. Tudo é uma palavra tão vazia, esnobe, e ao mesmo tempo insegura, orgulhosa, cruel. Tudo? Tudo o que? O tudo não existe. Tudo seria a perfeição, e a perfeição não existe. O que existe é o quase. O quase, sempre antes do tudo. Esse sim, humilde, poderia ser o tudo, mas prefere ser o quase. Quase, quase tudo. No quase há ausência, inexistência, um muito de tudo e um pouco de nada.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Sonho

O All Star embaixo da mesa. A gaveta aberta. As roupas numa cadeira. Um livro de Shakespeare na mesa de cabeceira. Assim era seu quarto. Pelo menos naquele instante. A chuva caía lá fora desesperada. Ela chegou então e largou os brincos em cima de qualquer canto. Mal sabia ela que era a última vez que os usava, pois não os acharia mais naquela bagunça. Sentou-se na cama. Parou de repente. Fazia dias que não se olhava no espelho. Parecia tolice pensar que teria mudado em tão pouco tempo, mas uma enorme necessidade estava obrigando-a a se olhar. Parou então em frente ao espelho retangular. Em seu reflexo, já não mais se reconhecia. Parecia apenas mais um tipo dos alguéns por quem passava todos os dias na rua. Não havia nada que a tornasse diferente das demais. Via seus olhos, mas parecia vê-los de outros olhos que não os seus. De outro ângulo. Não via ninguém propriamente dito, mas só um corpo. Ela então era aquele corpo? Não. Ela era mais que aquele corpo. Aquele corpo era o seu disfarce. Ela era o que estava dentro, porque ela era muito mais que apenas isso. Voltou pra cama e ligou o ventilador. Dormiu e sonhou. Sonhou que era outras pessoas. Outras pessoas não. Era ela mesma, mas com outros corpos, outros disfarces. Não gostava de nenhum porque as pessoas esqueciam de ser elas mesmas e trocavam de corpo o tempo todo. Sempre querendo um melhor. As pessoas começaram a comparar seus corpos. Haviam então, competição de corpos. E as pessoas não eram mais pessoas, eram então apenas corpos.
Ela acordou assutada. Olhou para as suas mãos. Ok, elas estavam ali. Ajustou a velocidade do ventilador e voltou a dormir.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Alto Santa Isabel

Como prometi, anotações no ônibus:

"Certo, agora eu tô mesmo no ônibus. O mais incrível é que tá vazio. Muito vazio. Acho que é o horário. Acho que tô voltando mais cedo. Tive sorte hoje, não esperei nem pra ir nem pra voltar, quando eu tava chegando na parada o ônibus tava vindo. Agora, fiquei tão embriagada pela emoção de pegar o ônibus logo que de repente me surgiu a terrível dúvida "será que é esse mesmo o ônibus? Será que eu não vi o nome rápido demais?". Decidi confirmar com a cobradora. Ela me olhou com uma terrível cara de tédio e sacudiu a cabeça num sinal de 'sim'. Às vezes me dá umas inseguranças desse tipo, coisas que são tão óbvias que me dão dúvida!
Agora tô na Conde da Boa Vista, voltando. Tem uma mulher arranjando confusão no ônibus! Ela tava gritando, chamando alguém de ignorante, ainda não consegui entender o que aconteceu. Acho que era com o motorista. Que ótimo, o ônibus tá enchendo. É horrível escrever com esses solavancos.
Do lado de fora avisto um homem numa cadeira de rodas, seus pés são virados, contorcidos. Não parece um pedinte, tem cara de classe média. Tô com fome e meu dinheiro já era há muito tempo.
Hahaha! Avistei um menino e pensei "humm... ele tem jeito de emo", então notei o amigo dele: completamente emo. Ok, são emos. Muito emos.
Uma mulher no ônibus acaba de exclamar "caraaaalho!" e o homem lá na frente discute sozinho sobre os candidatos a prefeito.
Continuo na Conde da Boa Vista, logo hoje tá um dia feio, adoro ver o pôr-do-sol desse ônibus.
Ai, coisa que não suporto são esses vendedores de pipoca. Eles só existem nessa avenida (eu acho :S). Passam gritando "Pipoooooca!", é de ficar surdo!
Agora tô parada em frente ao Americano Batista, disseram que o colégio fechou, vou investigar se isso é verdade. No meio do silêncio passam três amigas escandalosas do Contato, rindo feito loucas.
Ótimo, agora estou em frente ao Hospital da Restauração (um verdadeiro inferno), espero nunca entrar lá. Há alguém do meu lado agora, mas que coisa! com tantos bancos vazios! ó, infortúnio.
Legal, agora vejo em plena Agamenon Magalhães aqueles homens que seguram bandeiras estampadas com políticos escrotos.
Ótimo, não eram só bandeiras, não eram só algumas bandeiras, agora são dezenas delas. Está havendo um verdadeiro carnaval. Uma bagunça. Gente, som, laranja, amarelo, vermelho, buzinas, bandeiras, muito barulho. Uma verdadeira palhaçada. Os políticos deviam ter vergonha de fazer uma coisa dessas. Jamais votaria nesses caras.
Acabei de sentir uma vontade muito forte de estender meu dedo médio pela janela. Ah, que vontade me deu, quase incontrolável.
Olha! no meio da confusão encontrei a namorada do irmão da minha [AH FILHOS DA PUTA!! (motoqueiros a buzinar irritantemente)] amiga. Acho que ela nem sabe que eu existo. Que coisa, vivo encontrando com ela.
Entrou no ônibus um homem com cara de psicopata, não pára de olha na minha direção. Talvez eu seja a paranóica da história.
Cena rara: uma mulher de cabelos brancos compridos. Bem diferente. Não é uma velhinha, é uma mulher ainda, mas com o cabelo todo branco. O que seria das mulheres sem a tintura de cabelo? Tinturas de cabelo são altamente revolucionárias.
Não sei mais onde tô, acho que chegando na Rosa e Silva. Ok, tô na Rosa e Silva (confirmado após o letreiro "Padaria Rosa e Silva"). Trânsito intenso.
[parei agora pra ter vontade de catalogar pichações, será que alguém já fez isso? oO. Não tente entender].
Passei pelo Hospital dos Servidores do Estado e pela Vert et Rouge. O trânsito tá tão lerdo que um garoto anda no mesmo ritmo do ônibus há uns 5 quarteirões. Gatinho, bem gatinho ele.
Frente do Pão de Açúcar. A menina sentada do meu lado (deve ter a minha idade, acho que um pouco mais nova) cantarola empolgada pelo som do seu fone de ouvido e come biscoitos.
"Você entra aluno e sai piloto" - frase na parede de uma auto escola (?).
Frente do Bompreço. Cara, o garoto continua do lado do ônibus, andando. Acabei de notar que ele parece meu amigo. Será que é ele?! Não, ele é mais bonito (o garoto).
Frente do Náutico - agora outra pessoa do meu lado. Acaba de passar na rua um menino que eu conheço não sei de onde, acho que do colégio.
Frente do Country - elite recifense é predominante. Metade do meu colégio também.
Frente do ETC - tem uma goteira no teto do ônibus!
Perto da Jaqueira agora.
Um homem, num posto de gasolina, usa uma camisa com o seguinte escrito "ratboy.com.br".
Frente do Hospital da Tamarineira (traduzindo: hospício).
Passei pela academia ''Hi''- A mulher sentada do meu lado troca números de celular com a colega. Alguma fulana é dermatologista.
Saindo da Rosa e Silva, Parnamirim agora - ônibus cheio, quase noite.
Frente do Pão de Açúcar - paradas todas muito cheias, pessoas largando do trabalho.
Frente da Mutti (antiga Nutella); Pizza Hut e agora Cultura Inglesa. Tem um casal bonitinho na pracinha.
Finalmente Casa Forte, tô perto.
Plaza/ Hiperbompreço.
Em frente à Pittz - a mulher do meu lado comenta com a outra que o colega trabalha lá e que não gostou da pizza. Discordo dela, experiência própria.
Passei pela McDonalds.

Minha parada é a próxima."

Anotações de um dia solitário [2]

"Aham, voltei ao shopping. Ok, na verdade dessa vez não foi pra escrever. Vim pegar um cd que eu tinha reservado, então aproveitei pra vir pra praça de alimentação beber algo e jogar alguma coisa no papel.
A viagem pra cá, de ônibus, leva uns quarenta minutos, nunca parei pra contar, mas demora. E esse ônibus passa por tantos lugares legais. Eu vou escrevendo um livro todo na cabeça durante o percurso. Na próxima vez, estou decidida, irei escrevendo [meu chá acabou, e com ele meu dinheiro].
As pessoas, os lugares, as coisas parecem tão incríveis vistas da janela de um ônibus. Os prédios antigos da Conde da Boa vista, todos degredados, em péssimo estado. E pensar que há algumas décadas atrás a elite recifense os ocupava. Hoje passam despercebidos, só se nota o andar térreo que integra o movimentado centro comercial. Todos esquecem de olhar pra cima. Sim, existe vida nos andares de cima. Lençóis pendurados nas janelas, uma criança mastigando uma chupeta, um projeto de academia na qual uma melancólica mulher, pedalando numa bicicleta ergométrica, observa com desdém os ônibus lá embaixo. Um banco quase falido só para funcionários públicos, bingos, motéis, bordéis. Sim, são um ótimo lugar para puteiros, acabei de me dar conta disso.
E por lá passa meu querido Alto Santa Isabel, que me leva a tantos cantos. Estou decidida a dar a volta na cidade apenas para listar os lugares legais pelos quais ele passa. São muitos, vários mesmo, mas tenho que admitir, o lugar em que estou é o melhor :D
Hoje está tudo mais vazio que da outra vez, muito provavelmente pelo fato de não estarmos mais em julho. A garçonete está parada, não há muito o que fazer. Do meu ângulo só consigo avistar três mesas ocupadas. Uma mulher me chama a atenção. Está sentada, sozinha, já há um bom tempo. Acho que está esperando alguém. Seu cabelo é preto, cacheado, comprido e está preso. Sua mão está na boca. Usa um óculos de armação preta e uma saia no joelho, é um pouco gorda. Deve ter seus quarenta anos ou mais. Não aparenta ser classe média, talvez... classe média baixa, não sei. Ela lembra minha lavadeira. Acho que ela está impaciente, mas talvez não tenha mais nada pra fazer, ela nem tá comendo.
O tempo urge. Vou verificar se há um celular quebrado na mnha bolsa caso haja um assalto e depois irei lá em cima ver o céu nublado tingir o rio de cinza.


ps.: depois decobri que os botões da minha calça estavam abertos.
ps2.: tinha um cara muito lindo na frente da porta do banheiro feminino.
ps3.: não relacione as duas coisas""