sexta-feira, 22 de abril de 2011

Delírios da dor

Está nublado e não há nenhum bebê no berçário. Estou na maternidade. Não estou grávida e nem vim para visitas. Vim para fugir deste ambiente mórbido de hospital. Procurei um lugar em que haja vida e me deparei com uma grande janela de vidro. A vista é para o rio e a ponte. Sem o rio não existe a ponte, mas sem a ponte existe o rio. Parece um filme, é uma tela enorme. Os carros passam em silêncio e vida parece normal lá fora. Num hospital nada é normal. Parece um hotel, um grande hotel, mas com hóspedes frustrados e que talvez fiquem ali para sempre. Quatro horas pra sair o resultado do exame de sangue. As enfermeiras arrumam os “Oval Baby” e uma grávida de camisola branca passeia pelo corredor, parece uma alma.
Tenho vontade de ficar grávida só para ver como é. Uma sirene. Onde se nasce também se morre. O hospital é o próprio ciclo. Cores frias, silêncio e duas recepcionistas a fofocar. Falam mal de uma terceira. Devem estar se perguntando por que diabos estou aqui. Uma garota de 18 anos, não-grávida, escrevendo sozinha num caderninho em frente a um berçário vazio.
Posso assistir a um parto? Eu gostaria de fazer um ensaio fotográfico de um parto. Mas não daria muito certo, daria? Escutei um choro. Será que nasceu? Isso aqui não parece novela. E minha dor não passa e chove muito. Esse ar condicionado vai me matar. Onde estão os pais ansiosos? Hoje não é um dia bom.
O que se faz para passar o tempo dentro de um hospital quando se está sem voz e com um celular descarregado? Esses elevadores são muito estranhos, eles têm portas para os dois lados, que coisa confusa. Eu nunca seria médica. Esse silêncio não me agrada. Onde se aluga um bebê? Que horas eu voltarei pra casa? Quando deixarei de sentir dor? Comer, falar e respirar nunca foram tão difíceis.
Aqui pelo menos tem essa janela maravilhosa e esse silêncio até que é bom. Será que não é errado colocar vários doentes numa sala de espera? Não é errado ter ar condicionado em hospital? E o otorrinolaringologista e o oculista que ficam juntos? Quem foi ver as narinas pega conjuntivite? E quem foi ver um tersol pega bronquite? Por que coisas tão erradas parecem certas? Essa luz é boa pra fotografar, nada como o sol matinal. 2011, ainda não me acostumei. Gelo baiano, academia da cidade, que tédio.
10/01/2011