sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O devorador de livros

Jogou o décimo segundo livro na mesinha de cabeceira. Precisava se tratar. Recorreu então ao seu psicólogo.
—Doutor, sabe o que é? Não consigo mais ler um livro inteiro! Sempre paro na metade e começo outro. Isso nunca aconteceu comigo antes.
—Caro Orlando,...
—Mas Doutor, eu sempre fui um devorador de páginas! Isso não podia estar acontecendo!
—Orlando...
—Tenho uma reputação a manter!
—Orlando, tenha calma!
—Tá, estou calmo.
—Tem conseguido ler revistas?
—Só as semanais. As mensais eu abandonei há um semestre atrás. Tá vendo doutor? Acho que já era o começo da crise!
—Meu filho, tenha calma. Vamos resolver isso.
—O senhor, há quanto tempo leu seu último livro?
—...hein?
—O último?! Quando foi o último? Inteiro?! Página por página? Da capa à bibliografia!?
—Não sei, Orlando! Ora que coisa. O psicólogo aqui sou eu.
—Tá vendo? Ah! Tá vendo? Como posso me tratar com alguém que se quer lê algo? Me desculpe Doutor, mas vou embora.
—Mas Orlando... isso que... hein? Orlando?
Achava que o problema não podia ser resolvido no psicólogo e pensou que fosse algo mais óbvio. Seguiu, então, direto para o oculista. Pegou uma senha e aguardou. Uma hora. Duas horas. Estava decidido. Não dormiria até encontrar a raiz do problema. Três horas. Três horas e meia.
—Orlando?
—Sim?
—Sala 5. Doutor Jivago.
Sala 5, entrou.
—Doutor, sabe o que é? Não consigo mais ler um livro inteiro! Isso é um problema grave. Talvez tenha a ver com a vista. Devo estar enxergando mal – o que deve estar me desestimulando a leitura.
— Hum, é... é uma suposição. Vamos ver. Sente-se aqui.
E ajustou uma lente em cada olho de Orlando.
—Que letra é essa?
—E.
—E essa agora?
—T.
— E agora?
—Z.
—Tem tido dores de cabeça?
—Não.
—Enjôos?
—Não.
—É, sua visão está perfeita. Não há nenhum problema.
—Mas Doutor, eu preciso saber o porquê! O porquê!!
—Então filho, não é comigo que você vai descobrir.
Não desistiu, estava inquietíssimo com aquela dúvida. Foi ao psiquiatra.
—Doutor Genaro, não consigo mais ler um livro inteiro! Sempre paro na metade e começo a ler outro. Devo estar com algum distúrbio. Me dê um remédio! Preciso ler!
—Calma seu...
—...Orlando Caldas!
—Você deve ser apenas hiperativo, ter um déficit de atenção.
—Mas isso eu já sei doutor! E eu tomo remédio controlado. Não pode ser isso.
—Hum, então é um caso muito peculiar, devo admitir. Qual foi a última vez que leu um livro inteiro?
—Há um mês.
—Tem andado muito atarefado?
—Agora não mais.
—Tem ganhado ou comprado mais livros do que costumava?
—Sim, sim.
—Meu filho, tente apenas reorganizar seu tempo.
—Reorganizar meu tempo?
—É, e confira se você está tomando seus remédios corretamente.
—Hum, tá certo Dr. Genaro.
—Olhe rapaz, espere!
—Ahm?
—Tome, leve este livro com você, acho que pode ajudar.
— “Como organizar seu tempo”. Er, obrigado. Espero ler até o fim.
Meio frustrado, Orlando voltou pra casa e abriu o livro recém-adquirido. Ao chegar na página 2, sua mulher entra na sala:
— Querido, minhas pílulas anticoncepcionais estão sumindo. Você sabe se a empregada está tomando?